Encontro do Clube Internacional de Debates de Valdai
Vladimir Putin participou na sessão plenária final da 14ª reunião anual do Clube Internacional de Debates de Valdai, intitulado:
O Mundo do Futuro: Incentivar do Conflito para a Cooperação.
19 de Outubro de 2017
20:10
Sochi
Vladimir Putin participou na sessão plenária final da 14ª reunião anual do Clube Internacional de Debates de Valdai, intitulado:
O Mundo do Futuro: Incentivar do Conflito para a Cooperação.
19 de Outubro de 2017
20:10
Sochi
Fyodor Lukyanov: Agora dou a palavra ao Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, para nos instilar algum optimismo.
Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin: Muito obrigado. Não tenho a certeza de quão optimista soará, mas sei que, nos últimos três dias, tiveram debates muito acalorados. Como já se tornou hábito, tentarei partilhar convosco o que penso sobre algumas das questões. Por favor, não levem a mal se referir algo que já foi dito, pois não acompanhei os debates.
Para começar, gostaria de
dar as boas vindas ao Snr. Karzai, ao Snr. Ma e ao Snr. Toje e a todos os colegas e
amigos. Vejo muitos rostos familiares no auditório. Sejam bem-vindos à reunião
do Clube Valdai.
Por tradição, este fórum dedica-se ao debate dos assuntos políticos e económicos globais mais urgentes. Desta vez, os
organizadores, como já mencionado, encararam um desafio bastante difícil
pedindo aos participantes que tentem olhar mais além do horizonte e reflectir sobre o que vai acontecer nas próximas décadas, quer na Rússia, quer na comunidade internacional.
Claro que é impossível prever tudo e ter em conta todas
as oportunidades e riscos que teremos de enfrentar. No entanto, necessitamos compreender e
sentir as principais tendências para procurar respostas inovadoras aos problemas que o futuro está a apresentar, neste momento e certamente irá colocar ainda mais. O ritmo dos desenvolvimentos é
tal, que devemos reagir ágil e continuamente.
O mundo entrou numa era de mudanças rápidas. Coisas que
eram referidas recentemente como
fantásticas ou inatingíveis, tornaram-se uma realidade, concretizaram-se
e fazem parte das nossas vidas diárias.
Processos qualitativamente novos estão a desdobrar-se, em
simultâneo, em todas as esferas. O ritmo acelerado da vida pública em vários
países e as revoluções tecnológicas estão agora entrelaçadas com as mudanças na
arena internacional. A competição por um lugar na hierarquia global está a
acentuar-se. No entanto, já não são aplicáveis muitas receitas do passado para o governo global, para a
superação de conflitos, bem como para as contradições naturais. Falham, muitas vezes, e as novas ainda não foram desenvolvidas.
Naturalmente, os interesses dos Estados nem sempre
coincidem, longe disso. É normal e natural. Sempre foi esse caso. Os principais
poderes têm inúmeras estratégias geopolíticas e percepções do mundo. Esta é a
essência imutável das relações internacionais, que se baseia no equilíbrio
entre a cooperação e a competição.
Na verdade, quando este equilíbrio é perturbado,
quando a observância e até a existência de regras de conduta universais são
questionadas, quando os interesses são pressionados a qualquer custo, as
disputas tornam-se imprevisíveis e perigosas e conduzem a conflitos violentos.
Nem um único problema internacional pode ser resolvido em
tais circunstâncias e em tal enquadramento de questões. As relações entre os
países, simplesmente, degradam-se. O mundo torna-se menos seguro. Em vez de
progresso e democracia, é dada rédea solta aos elementos radicais e aos grupos
extremistas que rejeitam a própria civilização e buscam mergulhar no passado remoto,
no caos e na barbárie.
A História recente ilustra graficamente tudo isto. Basta
ver o que aconteceu no Médio Oriente, onde alguns intervenientes tentaram
remodelar e reformatar a seu gosto e impor-lhes um modelo de desenvolvimento
estrangeiro através de golpes de estado externos orquestrados ou, simplesmente,
pela força das armas.
Em vez de trabalharem juntos para corrigir a situação e
aplicarem um verdadeiro golpe ao terrorismo, em vez de simular uma luta contra
ele, alguns dos nossos colegas estão a fazer tudo o que podem para tornar o
caos permanente nessa região. Alguns ainda pensam que é possível gerir esse
caos.
No entanto, existem alguns exemplos positivos nas
experiências recentes. Como provavelmente adivinharam, refiro-me à experiência
da Síria. Ela mostra que existe uma alternativa a esse tipo de política
arrogante e destrutiva. A Rússia opõe-se aos terroristas juntamente com o
governo legítimo da Síria e com outros Estados da região, e actua com base no
Direito Internacional. Esclareço que estas acções e este progresso avançado não
foram fáceis. Há uma grande divisão na região. Mas, fortalecemo-nos com
paciência e, ponderando todos os
movimentos e palavras, estamos a trabalhar com todos os participantes desse
processo, com o devido respeito pelos seus interesses.
Os nossos esforços, cujos resultados foram questionados pelos nossos colegas, apenas recentemente, estão agora - deixem-me referir isto com cuidado - a incutir-nos esperança. Eles provaram ser muito importantes, correctos,
profissionais e oportunos.
Ou aceitem outro exemplo – a argumentação à volta da
península coreana. Certamente, hoje,
também abordaram esta questão extensivamente. Sim, condenamos
inequivocamente os testes nucleares realizados pela RPDC e concordamos,
plenamente, com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, relativas à
Coreia do Norte. Colegas, quero salientar para que não haja interpretações descabidas - cumprimos todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
No entanto, este problema só pode ser resolvido através
do diálogo. Não devemos encostar a Coreia do Norte a um canto, ameaçá-la
através da força, usar a descortesia ou injúrias. Se alguém gosta ou não
gosta do regime norte-coreano, não devemos esquecer que a República Popular
Democrática da Coreia é um estado soberano.
Todas as disputas devem ser resolvidas de forma
civilizada. A Rússia favoreceu sempre esta abordagem. Estamos firmemente
convencidos de que até mesmo os nós mais intrincados - seja na crise da Síria ou
da Líbia, na península coreana ou, digamos, na Ucrânia - devem ser
desembaraçados, em vez de ser cortados.
A situação em Espanha mostra claramente como a frágil
estabilidade pode acontecer, mesmo num Estado próspero e estabelecido. Quem
poderia ter esperado, mesmo recentemente, que a discussão sobre o estatuto da
Catalunha, que tem uma longa História, resultaria numa crise política aguda?
A posição da Rússia sobre este assunto, é conhecida. Tudo
o que está a acontecer é uma questão interna da Espanha e deve ser resolvida
com base na lei espanhola, de acordo com as tradições democráticas. Estamos
conscientes de que a liderança do país está a dar passos para esse fim. No caso da Catalunha, vimos a União Europeia e outros Estados condenar unanimemente
os apoiantes da independência.
os apoiantes da independência.
Como sabem, a este respeito, não posso deixar de notar
que deveria ter sido usado mais reflexão sobre o mesmo. Ou será que, ninguém
estava ciente destes desentendimentos centenários na Europa? Estavam ou não
estavam? Claro, que estavam. No entanto, numa dada altura, eles realmente acolheram
a desintegração de vários Estados da Europa, sem esconder a sua alegria.
Por que foram tão irreflectidos, levados por considerações
políticas fugazes e pelo desejo de agradar - vou dizer sem rodeios - ao Big
Brother, em Washington, fornecendo apoio
incondicional à desintegração do Kosovo, provocando processos semelhantes noutras
regiões da Europa e do mundo?
Podeis recordar que, quando a Crimeia também declarou a sua
independência, e depois - após o referendo - a decisão de se tornar parte da
Rússia, o mesmo não foi bem-vindo por algum motivo. Agora temos a Catalunha. Há
algo semelhante noutra região, o Curdistão. Talvez esta lista esteja longe de
ser exaustiva. Mas temos de questionar: O que vamos fazer? O que devemos pensar
sobre isto?
Acontece que alguns dos nossos colegas pensam que há
"bons" lutadores pela independência e pela liberdade e que existem
"separatistas" que não têm o direito de defender os seus direitos,
mesmo com o uso de mecanismos democráticos.
Como sempre dizemos em casos semelhantes, tais padrões
duplos - e este é um exemplo vivo de duas medidas - representam um sério perigo
para o desenvolvimento estável da Europa e de outros continentes e para o
avanço dos processos de integração em todo o mundo.
Ao mesmo tempo, os apologistas da globalização tentavam
convencer-nos de que a interdependência económica universal era uma garantia
contra os conflitos e as rivalidades geopolíticas. Infelizmente, tal não
aconteceu. A natureza das contradições também ficou mais complicada,
tornando-se facetadas e não lineares.
De facto, enquanto a interligação é um factor restritivo
e estabilizador, também estamos a testemunhar um número cada vez maior de
exemplos de política que interferem grosseiramente nas relações económicas e de
mercado. Recentemente, houve avisos de que era inaceitável, contraproducente e que
deve ser acautelado. Agora, os que fizeram tais advertências estão a fazê-lo.
Alguns nem sequer escondem que estão a usar pretextos políticos para promover
os seus interesses estritamente comerciais. Por exemplo, o recente pacote de
sanções adoptado pelo Congresso dos EUA tem como objectivo directo, expulsar a
Rússia dos mercados de energia europeus e obrigar a Europa a comprar gás
liquefeito mais caro, produzido nos Estados Unidos, embora a escala da sua
produção ainda seja demasiado pequena.
Estão a ser feitas tentativas para criar obstáculos no
caminho dos nossos esforços para forjar novas rotas de energia - South Stream e
Nord Stream – se bem que a diversificação da logística seja economicamente
eficiente, benéfica para a Europa e promova a sua segurança.
Deixem-me repetir: é natural que cada estado tenha os seus
próprios interesses políticos, económicos e outros. A questão é o meio pelo
qual os mesmos são protegidos e promovidos.
No mundo moderno, é impossível obter proveito estratégico
à custa dos outros. Essa política baseada na autoconfiança, no egoísmo e em reivindicações
de excepcionalismo, não trará respeito nem verdadeira grandeza. Irá suscitar
rejeições e resistência naturais e justificadas. O resultado, será vermos o
crescimento contínuo de tensões e discórdias em vez de tentar estabelecer uma
ordem internacional firme e estável e abordar os desafios tecnológicos,
ambientais, climáticos e humanitários que, hoje, toda a raça humana enfrenta.
Colegas,
O progresso científico e tecnológico, a automatização robótica
e a digitalização já estão a conduzir a profundas mudanças económicas, sociais,
culturais e, também, alterações dos valores. Agora, estamos expostos a perspectivas
e a oportunidades anteriormente inconcebíveis. Mas, ao mesmo tempo, teremos
também de encontrar respostas para muitas perguntas. Que lugar ocuparão as
pessoas no triângulo "humanos-máquinas-natureza"? Que medidas serão
tomadas pelos Estados que não proporcionam condições para uma vida normal
devido às mudanças do clima e do meio ambiente? Como será mantido o emprego na
era da automatização? Como será interpretado o juramento de Hipócrates, visto
que os médicos possuem capacidades semelhantes a feiticeiros todos-poderosos?
Será que a inteligência humana perderá,
definitivamente, a capacidade de controlar a inteligência artificial? Será que
a inteligência artificial irá tornar-se uma entidade separada e independente de
nós?
Antes, ao avaliar o papel e a influência dos países, falávamos
sobre a importância do factor geopolítico, do tamanho do território de um país,
do poder militar e dos recursos naturais. Claro, que hoje, esses factores ainda
são de grande importância. Mas agora também há outro factor - o factor
científico e tecnológico, que, sem dúvida, são de grande importância e a
mesma irá aumentar ao longo do tempo.
Na verdade, esse factor foi sempre importante, mas agora
terá um potencial de mudança do jogo e, em breve, terá um grande impacto nas
áreas da política e da segurança. Assim, o factor científico e tecnológico tornar-se-á
num factor de importância universal e política.
Também é óbvio que mesmo a tecnologia mais recente não
será capaz de garantir o desenvolvimento sustentável por conta própria. Um
futuro harmonioso é impossível sem responsabilidade social, sem liberdade e
justiça, sem respeito pelos valores éticos tradicionais e pela dignidade
humana. Caso contrário, em vez de se tornar num mundo de prosperidade e novas
oportunidades, esse “brave new world” transformar-se-á num mundo de
totalitarismo, de castas, de conflitos e de profundas divisões.
Hoje, a crescente desigualdade já está a acumular-se em
sentimentos de injustiça e de privação em milhões de pessoas e em nações
inteiras. E o resultado é a radicalização, um desejo de mudar as coisas de
qualquer maneira, até mesmo através da violência.
De facto, já aconteceu em muitos países e também na
Rússia, no nosso país. As descobertas tecnológicas e industriais bem sucedidas
foram seguidas de distúrbios dramáticos e rupturas revolucionárias. Tudo
aconteceu porque o país não conseguiu confrontar, a tempo, a discórdia social e
superar os anacronismos explícitos da sociedade.
A revolução é sempre o resultado de um déficit de responsabilidade quer dos que gostariam de conservar, congelar a ordem desactualizada das
coisas que, claramente, precisam de ser mudadas, quer dos que aspiram a acelerar as
mudanças, recorrendo a conflitos civis e à resistência destrutiva.
Hoje, à medida que nos voltamos para as lições do século
passado, ou seja, para a Revolução Russa de 1917, vemos quão duvidosos foram os
seus resultados, quão próximos do negativo e, devemos reconhecer, que as
consequências positivas desses acontecimentos estão entrelaçadas.
Interroguemos-nos: Não seria possível seguir um caminho evolutivo em vez de
passar por uma revolução? Não poderíamos ter evoluído por meio de um movimento
progressivo e coerente, em vez de ter sido à custa da destruição do nosso Estado
e da interrupção cruel de milhões de vidas humanas?
No entanto, o enorme modelo social utópico e a ideologia,
que o Estado recém-formado tentou estabelecer inicialmente, após a revolução
de 1917, foi um motor poderoso de transformações em todo o mundo (isto é
bastante claro e também deve ser reconhecido), causou uma grande reavaliação
dos modelos de desenvolvimento e deu origem à rivalidade e à concorrência,
cujos benefícios, eu diria, foram principalmente colhidos pelo Ocidente.
Não estou a referir, apenas, as vitórias geopolíticas que se
seguiram à Guerra Fria. Muitas conquistas ocidentais do século XX foram uma
resposta ao desafio colocado pela União Soviética. Estou a falar do aumento do
nível de vida, da formação de uma classe média forte, das reformas do mercado
de trabalho e da esfera social, da promoção da educação, da garantia dos
direitos humanos, incluindo os direitos das minorias e das mulheres, da
superação da segregação racial, que, como podem recordar, foi uma prática
vergonhosa em muitos países, incluindo nos Estados Unidos, ainda há poucas
décadas.
Após as mudanças radicais
ocorridas no nosso país e em todo o mundo, na viragem da década de 1990, surgiu
uma oportunidade verdadeiramente única de abrir um novo capítulo na História.
Quero dizer, o período após a União Soviética ter deixado de existir.
Infelizmente, depois de dividir
a herança geopolítica da União Soviética, os nossos parceiros ocidentais ficaram
convencidos da justiça da sua causa e declararam-se vencedores da Guerra Fria,
como acabei de mencionar, e começaram a interferir abertamente nos assuntos dos
Estados soberanos, a exportar a democracia, tal como a liderança soviética,
tentou, na sua época, exportar a revolução socialista para o resto do mundo
Fomos confrontados com a redistribuição
das esferas de influência e com a expansão da NATO. O excesso de confiança
conduz, invariavelmente, a erros. O resultado foi infeliz. Duas décadas e meia
foram desperdiçadas, muitas oportunidades perdidas e um pesado fardo de
desconfiança mútua. O resultado foi o desequilíbrio global que se intensificou.
Escutamos declarações sobre
estarem comprometidos com a resolução dos problemas globais, mas, de facto, o que
vemos é mais e mais exemplos de egoísmo. Todas as instituições internacionais
destinadas a harmonizar os interesses e a formular uma agenda conjunta estão a
ser corroídas e os tratados internacionais multilaterais básicos e os acordos
bilaterais de importância crítica, estão a ser desvalorizados.
Foi-me dito, há pouco, que o Presidente dos EUA disse algo nas redes sociais sobre a colaboração da Rússia e dos EUA
na área importante da cooperação nuclear. É verdade, esta é a esfera de interacção
mais importante entre a Rússia e os Estados Unidos, tendo em mente que a Rússia
e os Estados Unidos têm uma responsabilidade acrescida perante o mundo, pois
são as duas maiores potências nucleares.
No entanto, gostaria de
aproveitar esta oportunidade para falar com mais detalhes sobre o que aconteceu
nas últimas décadas, nesta área crucial, para fornecer uma imagem mais
completa. Levará dois minutos no máximo.
Vários acordos bilaterais foram
assinados na década de 1990. O primeiro, o programa Nunn-Lugar, foi assinado em
17 de Junho de 1992. O segundo, o programa HEU-LEU, foi assinado em 18 de Fevereiro
de 1993. O urânio altamente enriquecido foi convertido em urânio empobrecido,
portanto, HEU- LEU.
Os projectos no primeiro acordo
focaram a actualização dos sistemas de controlo, responsabilização e protecção
física de materiais nucleares, desmantelamento e destruição de submarinos e
geradores termoelétricos de radioisótopos. Os americanos fizeram - e por favor
prestem atenção, não são informações secretas, apenas alguns são conhecedores
do mesmo - 620 visitas de averiguação, na Rússia, para verificar a conformidade
com os acordos. Eles visitaram os lugares sagrados do complexo de armas nucleares
russas, ou seja, as empresas envolvidas no desenvolvimento de ogivas e munições
nucleares e a quantidade de plutónio e urânio das armas. Os Estados Unidos
obtiveram acesso a todas as instalações secretas da Rússia. O acordo também era
quase unilateral.
Consoante o segundo acordo, os
americanos fizeram mais 170 visitas às nossas fábricas de enriquecimento,
visitando as áreas mais restritas, como as unidades de mistura e instalações de
armazenamento. A fábrica de enriquecimento nuclear mais poderosa do mundo – o Grupo
de Fábricas Eletroquímicas dos Urais - também tinha um posto de observação permanente, para os americanos. Postos de trabalho permanentes foram criados directamente
nas oficinas deste Grupo onde os especialistas americanos iam trabalhar todos
os dias. As salas que ocupavam nessas instalações secretas russas, tinham
bandeiras americanas, como acontece sempre.
Além disso, foi elaborada uma
lista de 100 especialistas americanos de 10 organizações diversas dos EUA que
tiveram o direito de realizar inspecções adicionais a qualquer momento e sem
aviso prévio. Prolongou-se durante 10 anos. Sob este acordo, 500 toneladas de
armas de urânio foram removidas da circulação militar na Rússia, o que equivale
a cerca de 20 mil ogivas nucleares.
O programa HEU-LEU tornou-se
uma das medidas mais eficazes do verdadeiro desarmamento na História da Humanidade
– digo-o com total convicção. Cada passo do lado russo foi controlado de perto, por especialistas americanos, num momento em que os Estados Unidos se limitaram
a reduções muito mais modestas do seu arsenal nuclear e fizeram-no baseados,
apenas, em boa vontade.
Os nossos especialistas também
visitaram empresas do complexo de armas nucleares dos EUA, mas apenas a convite
e em condições estabelecidas pelos EUA.
Como vêem, o lado russo
demonstrou uma abertura e confiança absolutamente inéditas. Aliás - e provavelmente
vamos falar sobre isto mais tarde - também é do conhecimento geral, o que
recebemos em troca: negligência total dos nossos interesses nacionais, apoio ao
separatismo no Cáucaso, acção militar que contornou o Conselho de Segurança da
ONU, como o bombardeio da Jugoslávia e de Belgrado, a introdução de tropas no
Iraque etc. Bem, é fácil compreender: visto que as condições do complexo nuclear,
as forças armadas e a economia haviam sido vistoriadas, o Direito Internacional
parecia ser desnecessário.
Na década de 2000, a nossa
cooperação com os Estados Unidos entrou numa nova fase de parceria verdadeiramente
igualitária. Foi marcada pela assinatura de uma série de tratados e acordos
estratégicos e sobre os usos pacíficos da energia nuclear, que é conhecido nos
EUA como o Acordo 123. Mas, para todos os efeitos, os EUA interromperam
unilateralmente o trabalho dentro do seu âmbito, em 2014.
A situação sobre o Acordo do Manejo e Disposição do Plutónio, (PMDA), em 2000, que foi assinado em Moscovo,
em 20 de Agosto e em 1 de Setembro, em Washington, é duvidosa e alarmante. Consoante o protocolo deste acordo, as partes deveriam tomar medidas
recíprocas para a conversão irreversível do plutónio das armas em combustível de
óxido misto (MOX) e queimá-lo em reactores nucleares, de modo que não pudesse
ser usado para fins militares. Qualquer alteração nesse método só era permitida
com o consentimento de ambas as partes. Isto está escrito no acordo e nos
protocolos.
O que é que a Rússia fez?
Desenvolvemos esse combustível, construímos uma fábrica para produção em massa
e, como promulgamos no acordo, construímos uma fábrica BN-800 que nos permitiu
queimar com segurança esse combustível. Gostaria de salientar que a Rússia
cumpriu todos os seus compromissos.
E o que fizeram os nossos
parceiros americanos? Começaram a construir uma fábrica no Savannah River Site.
O preço inicial foi de 4,86 biliões de dólares, mas gastaram quase 8 biliões, empreenderam a construção até 70% e depois congelaram o
projecto. Mas, com o nosso conhecimento, o pedido de orçamento para 2018 inclui 270
milhões
de dólares para o encerramento e a remoção desta instalação. Como de costume,
surge uma pergunta: Onde está o dinheiro? Provavelmente foi roubado. Ou
calcularam mal algo, ao planear a sua construção. Tais coisas acontecem. Ocorrem aqui, muitas vezes. Mas não estamos interessados nisso, não é da nossa conta. O que nos
preocupa é o que acontece ao urânio e ao plutónio. E a reciclagem
do plutónio? Recomenda-se a diluição e o armazenamento geológico do plutónio. Mas o mesmo contradiz
completamente o espírito e o texto do acordo, e, mais importante ainda, não garante que a
diluição não seja reconvertida em plutónio empobrecido para ser usado em armas.
Tudo isso é muito lamentável e desconcertante.
Adiante. A Rússia ratificou o
Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares há mais de 17 anos. Os EUA
ainda não o fizeram.
Uma massa crítica de problemas
está a aumentar o risco da segurança global. Como é sabido, em 2002, os Estados
Unidos abandonaram o Tratado de Mísseis Antibalísticos. E, apesar de serem os iniciadores
da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas e de Segurança Internacional, eles
iniciaram esse acordo, mas não cumprem os seus compromissos. Permanecem,
ainda hoje, como o único e maior detentor dessa forma de armas de destruição em
massa. Os EUA também protelaram o prazo para a eliminação das suas armas
químicas de 2007 para 2023. Não parece adequado para uma nação que afirma ser a
defensora da não proliferação e do controlo de armas.
Na Rússia, pelo contrário, o processo
foi concluído em 27 de Setembro, deste ano. Ao fazê-lo, o nosso país contribuiu
significativamente para melhorar a segurança internacional. Por sinal, a
comunicação mediática ocidental preferiu manter-se calada, não perceber, embora
tenha havido uma menção fugaz algures, no Canadá, mas foi isso apenas, depois
foi o silêncio. No entanto, o arsenal de armas químicas armazenadas pela União
Soviética era suficiente para destruir, várias vezes, a vida no planeta.
Acredito que é hora de
abandonar um programa obsoleto. Estou a reportar-me ao passado. Claro que
devemos olhar em frente, temos de parar de olhar para trás. Estou a mencionar
este assunto para compreender as origens da situação actual que está a tomar
forma.
Chegou a hora de uma discussão
franca entre a comunidade global e não apenas de um grupo escolhido,
supostamente, o mais digno e avançado. Entre os representantes dos diversos continentes, tradições culturais e históricas, sistemas políticos e económicos.
Num mundo em mudança, não podemos dar-nos ao luxo de sermos inflexíveis,
fechados ou incapazes de responder de forma clara e rápida. Responsabilidade
pelo futuro - isto é o que nos deve unir, especialmente em momentos como os actuais,
em que tudo está a mudar rapidamente.
Jamais a Humanidade possuíu
tanto poder como agora. O poder sobre a natureza, sobre o Espaço, sobre as
comunicações e sobre a própria existência. No entanto, esse poder é difuso: os seus
elementos estão nas mãos dos Estados, das corporações, das associações públicas
e religiosas, e até de cidadãos individuais. Obviamentemente, aproveitar todos
esses elementos numa arquitectura única, eficaz e viável não é tarefa fácil. Vai ser preciso um
trabalho árduo e difícil para consegui-lo. E a Rússia, di-lo-ei, está disposta
a participar nele, juntamente com os parceiros interessados.
Colegas, como vemos o futuro da
ordem internacional e do sistema de governo mundial? Por exemplo, em 2045,
quando a ONU celebrar o aniversário do seu centenário? A sua criação tornou-se
um símbolo do facto de que, apesar de tudo, a Humanidade é capaz de
desenvolver regras comuns de conduta e de segui-las. Sempre que essas regras não
forem seguidas, resulta, inevitavelmente, em crises e outras consequências
negativas.
No entanto, nas últimas
décadas, houve várias tentativas de depreciar o papel dessa organização,
desacreditá-la ou simplesmente assumir o controlo dela. Todas essas tentativas
falharam, provavelmente, ou chegaram a um beco sem saída. Na nossa opinião, a
ONU, com a sua legitimidade universal, deve permanecer no centro do sistema
internacional. O nosso objectivo comum é aumentar a sua autoridade e eficácia.
Hoje, não há nenhuma alternativa à ONU.
No que diz respeito ao direito
de veto no Conselho de Segurança, que às vezes é desafiado, podem recordar que este mecanismo foi projectado e criado para evitar o confronto directo dos Estados mais poderosos, como garantia contra a arbitrariedade e a imprudência,
de modo que nenhum país, mesmo o país mais influente, possa dar a aparência de
legitimidade às suas acções agressivas.
Claro, permitam-nos enfrentar
isso, os especialistas estão aqui e sabem que a ONU legitimou as acções dos
participantes individuais em assuntos internacionais após o facto. Bem, pelo menos
é algo, mas também não levará a lugar nenhum.
São necessárias reformas, o
sistema das Nações Unidas precisa de melhorias, mas as reformas só podem ser
lentas, evolutivas e, claro, devem ser apoiadas pela esmagadora maioria dos
participantes no processo internacional dentro da própria organização, por
amplo consenso.
A garantia de eficácia da ONU
reside na sua natureza representativa. A maioria absoluta dos Estados soberanos
do mundo está aí representada. Os princípios fundamentais da ONU devem ser
preservados durante os anos e as décadas que vão surgir, visto que não existe outra
entidade que seja capaz de reflectir toda a gama de políticas internacionais.
Hoje em dia, estão a surgir novos
centros de modelos de influência e crescimento e estão tomar forma, alianças de
civilizações e associações políticas e económicas. Essa diversidade não conduz
à unificação. Portanto, devemos esforçar-nos por harmonizar a cooperação. As
organizações regionais da Eurásia, América, África, região da Ásia-Pacífico
devem agir sob os auspícios das Nações Unidas e coordenar os seus trabalhos.
No entanto, cada associação tem
o direito de funcionar de acordo com suas próprias idéias e princípios que
correspondem às suas características culturais, históricas e geográficas. É
importante combinar a interdependência e a abertura globais com a continuidade
da identidade única de cada nação e de cada região. Devemos respeitar a
soberania como base de todo o sistema de relações internacionais.
Colegas, não importa as alturas
incríveis que a tecnologia possa alcançar, a História é, na verdade, feita por
humanos. A História é feita por pessoas, com todos os seus pontos fortes e
fracos, grandes conquistas e erros. Podemos ter, apenas, um futuro partilhado.
Não pode haver futuros separados para nós, pelo menos, não pode haver no mundo moderno.
Assim, a responsabilidade de garantir um
mundo próspero e livre de conflitos, reside em toda a comunidade internacional.
Como sabem, o 19º Festival
Mundial da Juventude e dos Estudantes está a acontecer em Sochi. Jovens de
dezenas de países estão a interagir com os seus pares e a debater assuntos que os
preocupam. Eles não são prejudicados pelas diferenças culturais, nacionais ou
políticas, e todos estão a sonhar com o futuro. Acreditam que as suas vidas, a
vida das gerações mais jovens será melhor, mais justa e mais segura. A nossa
responsabilidade hoje é fazer o nosso melhor para garantir que essas esperanças
se tornem realidade.
Muito obrigado pela vossa
atenção.
(Aplausos.)
Fyodor Lukyanov: Muito
obrigado, Senhor Presidente. Gostaria de pedir um esclarecimento. Mencionou
que a ciência e a tecnologia talvez sejam hoje, o factor mais crucial. No entanto,
até nós, que somos as gerações actuais, recordamos as explosões de euforia sobre a
importância da tecnologia e, mais tarde, a euforia desapareceu, até certo
ponto e ficou claro que o que sempre
foi fundamental - o território e a demografia - ainda são eternos e enquanto as
tecnologias se adaptam, os fundamentos permanecem mais decisivos.
Por que é que considera que
agora ambos têm o potencial de ser um factor de mudança?
Vladimir Putin: Os pontos que
mencionou permanecem valores eternos e fundamentais. Não é por acaso que a Tora
declara que desistir do território é um grande pecado. Tanto o território como
a riqueza da terra, as pessoas - todos eles são os factores mais importantes.
Mas hoje houve uma mudança qualitativa.
A taxa de mudança é muito alta. O Sr. Gref deve ter-lhe dito (ele consegue
contar esses contos até ao amanhecer) que está a tornar-se fácil de ver – que a
ciência e a tecnologia estão a tornar-se os factores decisivos na área
da segurança militar e da política internacional. Está tudo a acontecer rapidamente
e as mudanças são irreversíveis.
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
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